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Quatro Dias que Mostraram o seu Valor

Diário de uma Viagem pela Ilha Grande

Quarta-feira, 21 de julho de 1999

Acordo com um sobressalto na casa do Kuki. Passamos a véspera envolvidos com os preparativos da caminhada, e inexplicavelmente fomos dormir muito tarde, como sempre. Deve haver algo de ritualístico nisso e a gente ainda não se deu conta. O seu Gilson nos leva até a rodoviária, onde ainda ficamos na expectativa de um terceiro membro da expedição. A Rô comentara que o Victor, sobrinho do Silvio e da Erica, no fulgor dos seus 15 anos, estava aí de férias e adoraria ir com a gente antes de voltar para Itajaí-SC. Foi decidido mais ou menos à revelia dele que ele iria com a gente, e o pobre coitado chegou na rodoviária sem sequer saber direito para onde iria, e trazendo mais alguns miojos como contribuição para o cardápio. Feitas as apresentações, ganhou sua cota de peso para a mochila e embarcamos — fizemos vista grossa para deixar o rapaz à vontade e dividimos apenas o peso da comida com ele. O Kuki ficou com a barraca e eu com a cozinha: panela, fogareiro e cartuchos de gás sobressalentes. Isso se mostrou absolutamente desnecessário, uma vez que o mancebo dispunha de uma forma física invejável. Ainda assim, nos comportamos como gente grande e continuamos a carregar as tralhas todas, talvez tentando nos convencer de que ainda conseguimos fazer as mesmas coisas de quando tínhamos 17 anos…

No ônibus da Costa Verde, entregues os três aos braços de Morfeu, numa tentativa de saborear o sono que a noite por pouco não nos havia negado. Chegamos em Angra por volta das dez. Descobrimos rapidamente que a barca só sairia às três e meia da tarde. Havia uma traineira já a postos para sair, e decidimos embarcar nela, julgando que valia a pena pagar mais (R$10) mas chegar cedo na ilha e aproveitar o dia. Uma hora mais tarde já estávamos na vila do Abraão, principal povoado da ilha. Almoçamos um PF (“prato feito”) simpático num restaurante nas ruas de trás e iniciamos a caminhada em direção a Dois Rios. O caminho era por uma estrada de terra bem larga, e de alguns pontos da subida tinha-se uma bela vista da enseada do Abraão. No início da descida, entramos à direita no muito provavelmente único atalho sinalizado do mundo. Imagino que não tenha cortado muito caminho, não, pois a estrada estava sempre ao nosso lado, como observou o Kuki, mas pelo menos era uma trilha. Não havia sol propriamente, mas o mormaço era razoável, e não via a hora de chegarmos na apregoada “piscina do soldado” para tomar banho de rio. Chegamos então próximo ao rio, num trecho em que se formava um pequeno poço. Julgando se tratar da tal “piscina”, entrei na água, no que fui seguido pelo Victor. Estava bastante gelada, e tomamos um banho tcheco. Depois de nos secarmos e retomarmos marcha, uns 50m rio abaixo, lá estava um poço muito mais legal e amplo. Segundo o Victor, tomamos banho na “banheira do soldado”, no melhor dos casos.

A trilha desembocava na estrada novamente mais à frente, já quase chegando na vilazinha de Dois Rios. Há muitas framboesas silvestres pelas margens da estrada, e embora não fosse a melhor época, havia várias com algumas frutas maduras, que fui colhendo pelo caminho. Ao chegar na vila, pedimos informação a um jovem casal de andarilhos que vinha em nossa direção. Comentaram sobre a trilha até a Parnaioca e sobre a proibição de acampamento em Dois Rios. Ao mostrar o “mapa” que eles tinham, para nossa surpresa tratava-se da mesma reportagem (da revista Ecoturismo#3) que trazíamos conosco. Depois iríamos ouvir falar da reportagem em mais algumas situações, o que sempre nos levava a risos involuntários. Nossa originalidade — e sentíamos que devíamos ter alguma — era que estávamos fazendo o caminho sugerido pela reportagem no sentido inverso (o que se mostrou uma ideia e tanto, acho). Depois chegamos à conclusão de que o cara que fez a reportagem não fez a caminhada, de fato, ou pelo menos não toda, mas isso não tira o mérito da reportagem.

Dois Rios é uma linda e pacata vilazinha onde o tempo parece se esparramar e a vida vai sendo vivida um dia após o outro com uma noite no meio. Havia uma bonita escola estadual, uma casa grande onde funciona um departamento da UERJ e onde havia algumas pessoas reunidas na entrada, alguns funcionários trabalhando, consertando um poste de luz, caiando o murinho da pracinha em frente à (linda) praia, etc. Uma tranquilidade que contrastava com as ruínas do presídio, logo ao lado. Desativado e implodido há cinco anos, seus restos mortais jazem cinzentos ali como umas casamatas horrorosas que vi uma vez próximo de Mariahilfestrasse, em Viena, um curioso cancro perdido num lugar tão bonito, como um monumento ao anacronismo, uma tentativa de fixar uma lembrança ruim, talvez buscando, paradoxalmente, se ver livre dela.

A trilha para a praia de Parnaioca começava ao longo da lateral do presídio e enveredava por presumíveis duas horas e meia de mata. A tarde já ia alta, mas não tínhamos muita escolha, na verdade, pois nem consideramos a hipótese de voltar para o Abraão. Em meio a plantas alienígenas e adolescentes cansados que chegavam a Dois Rios, fomos fazendo nosso caminho. A trilha era de fato linda, mas o tempo contava contra nós. Chegamos à Gruta das Cinzas, no meio do caminho, e pensei que de toda maneira ali poderia ser um bom local para pernoitar, se não quiséssemos correr o risco de ficar no meio da trilha quando a noite caísse. Nenhum conforto, mas pelo menos alguma cobertura para a chuva que se anunciava para a noite. Comentei com o Kuki e ambos achamos razoável a ideia. O Victor foi buscar água e enquanto isso lemos a plaquinha que explicava um pouco da história da gruta: chamava-se “das cinzas” porque era ali que os escravos fugitivos recapturados eram agrilhoados e deixados até que virassem pó. Achamos muito interessante e quando o Victor voltou já tínhamos decidido que dormir na Parnaioca seria muito mais saudável.

Àquela altura do campeonato já estava quase escuro, e começamos a andar mais rápido, apesar do risco de um tropeção numa raiz ou pedra, ou de meter o pé num dos inúmeros buracos enormes ao lado da trilha. Seria um bom estrago. Lá pelas tantas desistimos de tentar adivinhar onde estaria a trilha no lusco-fusco e o Kuki pegou as lanternas na mochila: a Maglitezinha pequena e a “Cornolux”, de vestir na cabeça. Imediatamente assim que ele acendeu a primeira, a lâmpada deu seu último suspiro de vida e queimou. Não tinha sobressalente. A situação ficava cada vez melhor… A Cornolux pelo menos acendeu direitinho, e o Kuki foi andando na frente, comigo no meio e o Victor atrás, segundo ele, seguindo os meus tênis (mais ou menos) brancos, que era a única coisa que ele conseguia ver naquela claridade miserável. Cheguei a pensar em trocar de lugar com ele, mas desisti ao ver que ele estava de tênis pretos.

E assim continuamos, agora mais devagar, mas ainda estressados com a possibilidade de nos perdermos naquele meio de mato. Algum tempo depois alcançamos uma bifurcação: uma trilha seguia à esquerda, descendo nitidamente na direção do mar, e uma outra que continuava mais ou menos em frente, mas subindo. Não havia qualquer indicação ou placa. Chegamos a pensar em descer, já que queríamos chegar a uma praia, mas algo dentro de mim dizia que era melhor seguir em frente, subindo. Lembrei também do artigo 44 da Lei das Caminhadas (aquele que diz que numa bifurcação sempre se deve subir), e sugeri que fôssemos por cima. Diante da (compreensível) apreensão dos meus companheiros, vimos as horas e nos propusemos a seguir meia hora naquela direção, ao cabo da qual se não tivéssemos chegado a lugar nenhum voltaríamos àquela bifurcação e desceríamos. Foram quinze ou vinte minutos angustiantes até alcançarmos uma placa que indicava que estávamos no caminho correto para Parnaioca. Tiramos uma bela foto aliviante beijando a placa. Depois soubemos que a descida da bifurcação levava apenas para um trecho de litoral rochoso onde o pessoal ia pescar. Minha intuição e o bom e velho artigo 44 nos salvaram de mais um estresse.

Mais um pouco e chegamos na praia de Parnaioca, diretamente no terreno do seu Faria e da dona Janete (e da pequena Beatriz). A área de camping era bem reservada, e tinha dois banheiros rústicos, mas que funcionavam bem. Tomamos banho, apesar do Kuki ter levado meia hora para conseguir entrar na água fria, e fizemos um jantarzinho merecido antes de nos recolhermos. Todos ficaram muito agradecidos por eu ter me oferecido para dormir no meio. Choveu muito durante a madrugada, mas a barraca do Kuki mostrou o seu valor: não entrou nenhuma água, e as coisas que ficaram debaixo do sobreteto também não ficaram encharcadas, inclusive os tênis (fantástico!). Não sei se teve alguma relação com a chuva, mas tive sonhos fortes e intrigantes.

Quinta-feira, 22 de julho de 1999

Dormimos até tarde. Acordamos e o tempo continuava nublado. Pela manhã, logo após tomar café (com uma reverência especial à Vicki, não apenas pelas saudades que ela deixou, mas também pela granola que ela deixou — e que foi devidamente degustada) e ver um caxinguelê vir brincar com um coco pertinho da casa do seu Faria, conhecemos o casal com quem estávamos dividindo o camping (e que o seu Faria tinha nos avisado ser “um casal de argentinos”): o Dario e a Noemi, ele colombiano e ela estadunidense, na verdade. O Kuki tinha ouvido alguém vomitar a noite toda na outra barraca, e era visível que tinha sido o Dario. Este não tinha condições de comer nada, mas oferecemos nosso café para a Noemi, que recusou gentilmente, exceto a Nutella, que ela não resistiu (mas quem resiste?). Coincidentemente o Dario faz PhD nos Estados Unidos, em Caos Quântico, e de repente me vi ali, no fim do mundo, diante da possibilidade de discutir física contemporânea com alguém (que a propósito devia saber muito mais do que eu). Resisti bravamente e em nome da sanidade mental dos outros colegas presentes não puxei nenhum assunto nesse sentido.

Arrumamos nossas coisas, pagamos o camping e pusemos o pé na estrada, ou melhor, na areia. Seguimos a praia da Parnaioca, que agora víamos finalmente, com seus seis habitantes (metade dos quais havíamos conhecido). Quem sabe não voltamos lá num dia mais ensolarado um dia desses?

O dia nublado pelo menos era bom para andar. Estávamos descansados, e depois do estresse da véspera tudo parecia muito tranqüilo. Fizemos a trilha até a reserva biológica da praia do Sul com alguma facilidade. Quando chegamos na praia, propriamente, caía uma chuvinha fina, mas que não chegava a incomodar, apesar do vento. A praia é bem comprida, e a areia, fofa, de modo que percorrê-la de um lado a outro pareceu-nos um caminho muito longo. A visão da praia é incrível: nenhum sinal de civilização, exceto por algum lixo que o mar joga na areia, sacos plásticos e garrafas de refrigerante, coisas assim. Como não há coleta de lixo, essas coisas acabam se acumulando na linha da maré alta. Não fosse isso seria impossível dizer em que século estamos. Possivelmente não seria estranho se uma caravela aparecesse diante de nós no horizonte, saindo das brumas…

Ao final da praia, em vez de tentarmos seguir pelas pedras à beira-mar, entramos um pouco pela foz de um pequeno rio, até a abertura de um mangue enorme, conforme nos aconselhava a reportagem da Ecoturismo#3. O problema é que havia uns três caminhos possíveis a partir dali, olhando para o mangue, e era impossível distinguir qual deles devia ser o correto. Como tínhamos que ir para a esquerda, na direção da praia do Leste, escolhemos seguir o curso principal do rio, que vinha de um trecho mais fechado de mangue, embora mais recuado. Aparentemente não havia nenhuma trilha saindo do mangue. O Kuki era o único de nós que tinha um tênis de reserva, portanto foi escalado para ir na frente sentindo o fundo para ver se dava para pisar descalço. Eu e o Victor amarramos nossos tênis nas mochilas e fomos entrando atrás do Kuki. O fundo do rio era estranhamente consistente, embora arenoso, e muito agradável ao pisar. Aos poucos o rio foi ficando mais e mais fundo, e apenas eu não precisei colocar a mochila sobre a cabeça para não molhar (uma das vantagens de ser alto). Fomos entrando propriamente no mangue, e uma profusão de raízes se precipitava de uma infinidade de pequenos arbustos para o fundo. As copas juntavam-se acima de nós, e de súbito já estávamos num diáfano túnel de galhos e folhas, e continuávamos sem saber para onde ir. Pra nosso desespero, mais adiante o mangue parecia tomar conta do leito do rio, e parecia que havíamos pego o braço errado do rio. O Kuki, que está mais para a frente, começa a rir, de repente. Vira à esquerda, e desaparece no meio do mangue. Bom descobrir que meu amigo não ficou doido de vez, e sim descobriu onde sai a trilha para a praia do Leste, um corredor estreito em meio ao mangue. Mais um estresse vencido. Depois que saímos do mangue, ficamos pensando em como foi muito mais interessante fazer a trilha ao contrário: se estivéssemos fazendo como sugerido na revista, a entrada do mangue seria óbvia, e a saída também. Assim foi muito mais divertido, com certeza.

Depois de um breve descanso e de comermos algumas besteirubas, seguimos mais uma vez pela areia, em outra praia imensa e deserta. A sensação de caminhar por uma praia selvagem é indescritível, embora depois de muito tempo até isso cansa. Avistamos uma pessoa vindo em nossa direção, lá do outro lado. Meses depois alcançamos o caminhante solitário, e não é que o Kuki o conhecia? Era um sujeito de Niterói! Ê, mundinho pequeno, né?

No final da praia, subimos pelas pedras e fomos costeando a linha da maré pelo alto, seguidos de um outro grupo que nos alcançou. As ondas batiam firmes na rocha nua, levantando grandes borrifos d’água. Minutos depois já estávamos na praia do Aventureiro, bem a tempo do crepúsculo. Tentamos arranjar rapidamente um camping, já que estávamos com frio e mortos de fome. As casas da praia todas estavam lotadas de barracas de jovens acampadores, com certeza mais de 60, e ficamos impressionados com a popularidade da praia. Fizemos o jantar, um bom e velho miojo com sardinha, e comemos à luz do barzinho próximo ao camping. Mas o camping que estávamos era uma droga, e o Kuki encontrou um outro muito melhor mais para a frente, para onde nos mudamos rapidamente. Tomamos banho gostosamente no banheirinho ajeitado do camping do seu Mario, apesar do Kuki ter levado mais de uma hora para entrar na água fria, e fizemos ainda um passeio pela praia para ver as gatinhas antes de ir dormir. Tive sonhos muito legais, lembrando do ABEL, da Beatriz Nolte etc., com um roteiro muito doido, mas divertido. Acordei muito bem.

Sexta-feira, 23 de julho de 1999

Tomamos café e saímos mais cedo desta vez. Voltamos até o início da praia para pegar a trilha para Provetá. Já sabíamos que teríamos uma trilha puxada pela frente. A subida parecia não acabar nunca! Depois de mais de uma hora subindo, alcançamos o cume e começamos a descer. Também levou um bom tempo até chegarmos à praia. Logo à entrada da praia há um cano enorme por onde jorra uma boa ducha de água doce, tentadora. Como saísse um bendito sol, aguardado já há tanto tempo, andamos até um telheiro (de um bar fechado na beira da praia), deixamos as coisas e eu e o Victor ficamos só de roupas de banho e nos atiramos no mar, que estava uma delícia. Já era o terceiro dia na Ilha Grande, e eu ainda não tinha entrado no mar. Parecia ridículo! Agora íamos à forra! Antes do almoço, ainda fomos tomar um banho de água doce no cano — maravilhoso! E que pressão! Enquanto isso, o Kuki fazia um arroz de pacotinho (muito bom!), que comemos junto com mais miojo e sardinha (pra não perder o hábito), e depois arrumamos tudo (lavei a louça facilmente na ducha do cano) e voltamos à trilha, não sem antes atravessar o povoado do Provetá.

A vila tem um cais e um armazém de pesca, e é uma das maiores da ilha. Achávamos que por se tratar de uma comunidade crente só veríamos mulheres de saias e cabelos compridos, com bíblias em punho, e senhores de calças de tergal e camisas de manga comprida abotoadas até em cima andando pela praia, e chegamos a temer sermos repreendidos pela farra na água e pelas vestes impudicas. Nada disso. Claro que a grande maioria das pessoas é realmente religiosa, mas nada dessas coisas radicais. Depois passamos ao lado da igreja da vila, enorme. Deve caber toda a população dentro, com folga para mais uns quinze anos de procriação descontrolada. Ao lado da igreja há uma vendinha bem cuidada, e vimos que não precisávamos estar carregando até ali boa parte dos mantimentos que ainda tínhamos nas mochilas, mas tudo bem. Kuki e Victor telefonaram do posto telefônico logo ao lado, matando as saudades de casa.

A subida da trilha para a praia de Araçatiba, que começa próxima à igreja, virando à direita, é mais suave que a anterior, e apesar do sol não foi um estorvo tão grande para nós. Lá de cima se tem uma bela vista da praia, e só é lamentável que as pessoas estejam desmatando tanto ao longo do vale que desemboca no vilarejo. Cerca de duas horas mais tarde, sem maiores incidentes, alcançamos a praia de Araçatibinha, já voltada para o continente, e pudemos perceber a diferença na água, muito mais verde e tranqüila que no lado oceânico. O sol já se punha, de modo que só nos detivemos no pequeno cais da praia para conversar com um senhor que estava ali, uma figura, e ver os peixinhos lá embaixo, pra deixar o Victor com água na boca para mergulhar, o que já não dava mais tempo para fazer. Seguimos adiante e 15min mais tarde já chegávamos efetivamente à praia de Araçatiba, bem maior e mais urbanizada. Alguns restaurantes e muita gente na praia atestam que a atividade comercial no lado do continente é impressionantemente maior. Os recursos também. Havia vários barcos ancorados na baía, e muitas casas bem-acabadas, algumas com sobrados, outras com energia solar. Havia mesmo uns postes auto-suficientes, com placas fotovoltaicas em cima e uma bateria para armazenar energia. Muito legal. Ficamos no que parecia ser o único camping do local: o do Bené, ao lado do barzinho dele, muito confortável e gostoso. Claro que nos serviríamos de suas mesinhas para o jantar, mais tarde. Isso depois de montar acampamento e tomar banho no banheirinho também simpático do camping. Evidentemente o Kuki levou mais de uma hora e meia para conseguir entrar na água fria. Enquanto esperava minha vez, não resisti e estendi minha rede entre dois coqueirinhos. Que delícia ficar ali refestelado, sem se preocupar com nada, enquanto a noite caía…

Sábado, 24 de julho de 1999

Conforme combináramos na véspera com o Bené, deixamos a barraca e a maior parte de nossas coisas no camping para poder ir quase sem peso fazer a caminhada até a gruta do Acaiá. Levamos apenas a Cornolux, as máquinas fotográficas, as máscaras de mergulho e o material para o almoço, além do cantil. Sem as mochilas, a caminhada ficou muito mais fácil. Depois de passar pela Araçatibinha e pela praia Vermelha, chegamos ao terreno onde fica a entrada da gruta, que consiste em um buraco no chão por onde se desce por uma escada. Tem-se a nítida sensação de que a caverna respira, ou, pior ainda, de que há um dragão dentro da caverna, pois o ar sai num fluxo ruidoso durante alguns segundos, e depois pára, e volta a bufar alguns segundos mais tarde. Desci na frente, e enquanto o Victor descia cautelosamente os degraus da escada, aventurei-me a ver se a continuação da entrada, um túnel escuro como breu e com o teto muito baixo continuava do mesmo jeito. Claro que sim. Agachei-me e esgueirei-me para dentro, para desespero do Victor, até me certificar de que lá dentro a visão era tão impressionante quanto minha memória guardava. Estava um dia ensolarado, como na primeira vez em que eu tinha ido ali, e o efeito não deixava nada a dever. Querendo que os outros tivessem a mesma sensação que eu, saí do túnel e falei para o Victor entrar na frente. Minha intenção era boa, mas o tiro saiu pela culatra: em vez de ficar excitado, o Victor ficou receoso do que viria pela frente, compreensivelmente. Por sorte era corajoso o suficiente para ceder à minha insistência e se enfiar buraco adentro. Não dava pra ver nada no início, mas logo mais adiante, quando a inclinação do teto assim o permitia, a gente descortinava uma luz azul-turquesa muito forte que bruxuleava numa linha horizontal muito comprida e brilhante, como um laser. Difícil perceber à primeira vista, mas à medida que se descia ia ficando claro que era a linha da água, que entrava na gruta por alguma abertura submarina logo abaixo e permitia que a luz do dia refratasse para dentro. Assim, tudo o que estava debaixo d’água aparecia nitidamente, em tons azulados, e tudo o que estava fora permanecia numa escuridão quase que completa. Ficamos algum tempo apreciando aquilo, e percebendo que o “bafo do dragão” nada mais era do que a maré subindo e descendo e empurrando o ar para fora pela pequena abertura da caverna, lá em cima. Como a área de água embaixo era grande, proporcionalmente à abertura da gruta, todo o ar deslocado para cima tinha que passar rapidamente pelo buraco, causando o vento que sentimos ao entrar.

Entrei na água e vi que não estava tão fria. Com uma máscara, enfiei a cara na água e olhei para o azul: uau! A entrada submarina da caverna era um largo túnel que se abria ainda mais quanto mais para fora se fosse. O azul invadia toda a visão, emoldurada pelo escuro do teto e do chão do túnel, e inúmeros peixes, lindos, passeavam descontraidamente pela boca da gruta. Kuki se juntou a mim no embasbacamento visual, e depois revezamos as máscaras para o Victor poder ver também. Não cansávamos de ver aquilo! Fiquei tão hipnotizado por aquela imagem que quase me aventurei a tentar atravessar a passagem. Parecia ter não mais que oito ou dez metros de comprimento, inclinada um pouco para baixo. Depois, parecia ser o mar aberto. Parecia fácil. Resolvi arriscar uma ida até um terço do caminho. A primeira coisa que percebi é que era difícil avançar porque a corrente ali entrava com velocidade, e a segunda foi que retendo muito ar minha flutuabilidade ficava muito positiva e eu era empurrado contra o teto da passagem. Ao tentar bater as pernas, dei uma topada com a sola do pé no teto e arranquei um naco de pele. Na hora não doeu muito, mas depois vi que tinha deixado um buraco na minha sola em carne viva. Fiz a volta e busquei o interior da caverna novamente, um pouco assustado. De fora para dentro, a visão da gruta é desesperançosa: uma superfície escura, que mal se diferencia do escuro do teto da passagem. Nada como o azul maravilhoso do outro lado.

Saímos da gruta ainda extasiados, e enquanto o Kuki fazia o almoço numa “varanda” sobre o mar, eu e o Victor fomos mergulhar logo abaixo, no costão, bem sobre a passagem submarina que dá acesso à gruta. Ali há dois pneus de caminhão amarrados à pedra na linha d’água para permitir que barcos pequenos encostem, e logo abaixo há uma profusão de pequenos peixinhos coloridos e uma obscuridade que corresponde à entrada da gruta. Deve começar a uns 4m de profundidade, e imagino que seja igualmente difícil ir de fora para dentro, principalmente pela visibilidade. Nem tentei que eu não sou maluco. Quem sabe um dia com equipamento… Depois do mergulho, como ainda faltasse algum tempo para o mestre-cuqui dar como pronto o almoço, refestelamo-nos na pedra quente e inclinada, fechamos os olhinhos e ficamos lagartixando um bom tempo, apreciando o morninho do sol e vendo tudo vermelho por causa do sangue nas pálpebras sendo atravessado pelo sol. Um sentimento infantil de satisfação completa se apossou de mim naquele instante, e queria que nunca tivesse acabado. Mas, enfim, o almoço ficou pronto, e nos jogamos na água mais uma vez para refrescar, saindo imediatamente para a bóia.

Almoçamos com alguma companhia: uma família que fez a trilha atrás da gente, e um pessoal que chegou de barco. O dono do terreno fez um pequeno barzinho ali, e as pessoas que vêm para ver a gruta podem ficar ali mais confortavelmente. Depois do almoço, voltamos toda a trilha, satisfeitos com o dia maravilhoso e já revendo mentalmente os pontos fortes de toda a caminhada. Meu pé não nos permitiu ir muito rápido, mas chegamos ainda com folga em relação ao pôr-do-sol em Araçatiba, mesmo fazendo uma breve pausa em Araçatibinha para o Victor mergulhar um pouco no meio dos sargentos e outros peixinhos perto do cais que ele paquerou desde a véspera. Em Araçatiba, propriamente, eu e o Victor tomamos banho enquanto o Kuki ia agitar o frete do barco de pesca de camarão que ficou de nos levar até Angra. Quando o Kuki voltou, já estávamos arrumando as coisas. Com mais a eternidade que ele levou até conseguir entrar na água fria, já tínhamos aprontado tudo, e o barco já balançava indócil no cais. Chamava-se “Thiá”. Já ia alta a tarde, e resolvi ir ter com o pessoal do barco para adiantar alguma coisa. O Victor foi comigo, levando também as coisas deles, e depois voltou para ajudar o Kuki com o resto. Quase não consegue chegar: um cachorrinho simpático enamorou-se dele e não o largava! Enquanto isso eu encharcava de cor-de-rosa o convés do “Thiá”. Resolvi aproveitar para dar a chance ao mertiolate de mostrar o seu valor no machucado que eu havia feito horas atrás no meu pé, e que já devia estar mais infestado de microorganismos do que emergência de hospital público, e fui dar aquela pincelada de leve sabendo que ia arder um pouco. Mal o cheiro do mertiolate alcançou o tecido em carne viva a ardência mais ardida que se pode conceber percorreu meu corpo completamente, da ponta do pé (ou pelo menos da sola) até a ponta do último fio de cabelo. Ardeu prá cacete! Mais uma vez no mesmo dia me vi levado à infância, só que desta vez por um motivo que eu teria de bom grado deixado passar. No desespero inclinei demais o vidro de mertiolate e besuntei metade do convés com o líquido cor-de-rosa. Ficou uma mancha linda, mas melhor isso do que se tivesse virado em cima do machucado (caramba, arde só de pensar!).

Finalmente os dois chegaram e levantamos âncora. O tempo estava virando, e torcemos para chegar ao continente antes da chuva chegar na gente. Apesar disso o mar não jogava muito, e fizemos um belo trajeto de volta. Até cantei pendurado de cabeça pra baixo, de tanta alegria.

Andamos até a rodoviária de Angra, e qual não foi nossa surpresa ao descobrir que em dez minutos saía um ônibus para Niterói! Foi o tempo do Kuki telefonar para casa avisando do nosso horário enquanto eu e o Victor comprávamos biscoitos para aplacar a fome durante a viagem. Mal conseguimos dormir, e lembrávamos várias vezes as maiores besteiras daqueles quatro dias, para nosso grande divertimento.

Ao chegarmos, fomos recepcionados pelo seu Gilson, a Kika, a Rosani, o Sílvio e a Érica. Ainda fomos jantar num restaurante italiano, e foi a vez das massas mostrarem seu valor.

Incrível perceber como a gente sobrevive a essas coisas. E, o que é mais impressionante ainda, gosta.

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